quarta-feira, 23 de julho de 2014

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL por Wagner Tadeu.




REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL


INTRODUÇÃO


No Brasil ,quando um adolescente comete uma grave infração penal, não apenas passa a forma parte de estatística de criminalidade, também e principalmente, ativa a discussão sobre a redução da maioridade penal. A sociedade, temerosa e inadequadamente informada, clama para que os menores de dezoito anos sejam considerados penalmente imputáveis.
A questão da idade para a imputabilidade registra antecedentes desde o Código Criminal do Império de 1830, o qual determinava a maioridade penal em forma absoluta a parti dos quatorze anos. Em 1890 foi sancionado o Código Penal Republicano, que determinou a inimputabilidade até os nove anos, entre essa idade e quatorze anos os indivíduos estavam sujeitos a avaliação de discernimento do fato cometido.  Tavares (2014) indica que em 1921, através da Lei 4.242, art. 3,§ 20 se autorizou a criação de um serviço que atendesse os menores abandonados e delinquentes.
Araujo (2008) relata que no ano 1927, por meio do Decreto 17.943-A surgiu o Código de Menores, denominado Código Mello Mattos (1864-1934), codex este que entre outros aspectos avançados para a época, determinava que o menor de quatorze anos não fosse submetido a processo de qualquer espécie, e o maior de quatorze e menor de dezoito fosse submetido a processo especial.
Em 1940, com a sanção do Código Penal, se adotou o vigente critério atual, determinando a maioridade para dezoito anos. Em 1969 se registra a “morte” antes de ter vigorado de um novo Código Penal (Decreto-Lei 1.004/69), cujo art. 33 determinava a inimputabilidade relativa para menores de dezoito anos, pois admitia que se o menor tinha completado dezesseis anos, e revelasse entendimento do ato cometido, se aplicava a pena prevista para maiores diminuída desde um Tércio até a metade. O art. 34 preceituava que os menores de dezesseis quanto os maiores dessa idade e menores de dezoito anos inimputáveis estariam sujeitos a medidas educativas previstas em legislação especial.
Posteriormente, em dezembro de 1973, através da Lei 6.016 foram alterados diferentes dispositivos do Código de 1969, entre eles, os arts. 33 e 34, sendo determinada a maioridade penal a partir dos dezoito anos em forma absoluta, como também que os menores dessa idade ficavam sujeitos a medidas educativas.
Em 1988 foi sancionada a atual Constituição Federal, denominada por alguns de “Cidadão”, a qual em forma inegável expõe a preocupação do legislador pelo indivíduo. Foi insculpida a minoridade de dezoito anos para a inimputabilidade no art. 228, restando demonstrado que o critério imperante foi do adolescente menor dessa idade como um ser em desenvolvimento.
Notadamente, o Brasil evoluiu em um século, pois no Código de 1890 a inimputabilidade absoluta se admitia até os nove anos, e na Carta Magna de 1988 aos dezoito anos, o qual indica um profundo aperfeiçoamento na percepção do desenvolvimento a respeito da maioridade penal.
Pode afirmar-se que a justiça é uma forma de vingança “civilizada”, na qual o cidadão desiste da satisfação por mão própria e açude ao judiciário para obter o reconhecimento da sua pretensão. No caso da idade para a imputabilidade penal, cuja discussão por ciclos é provocada intempestivamente pelos meios de comunicação, por formadores de opinião e aprofundada por opiniões pouco elaboradas desde o campo jurídico, se assemelha mais à simples vingança de uma sociedade atemorizada que uma proposta de justiça.
O presente estudo objetivou compreender os aspectos envolvidos na discussão da maioridade penal no Brasil, e em forma decorrente, formular posicionamento. Para tanto, o trabalho foi dividido em três seções. Na primeira se caracterizou o menor de dezoito anos na perspectiva psicossocial, no entendimento que para formula opinião resulta necessário conhecer o sujeito-objeto da polêmica.
Na segunda seção, se aborda a maioridade penal no ordenamento jurídico do Brasil, de forma que foram tecidas considerações em torno da Constituição Federal de 1988, da sua supremacia, das cláusulas pétreas, do art. 228 e seus reflexos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Penal (CP). Na terceira seção se problematizou a opinião pública, se apresentou informação pouco difundida entre os cidadãos, se pesquisou na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) com intuito de observar os fundamentos das decisões que emitem, a respeito da questão em tela, os mais altos tribunais do País. Seguidamente se formulou posicionamento contrário á redução da maioridade penal.
Além do próprio objetivo de pesquisa, o presente texto acadêmico representa a pretensão de contribuir com a elucidação de um tema relevância social, desde que a discussão implica formular argumentos a respeito do que deve fazer a sociedade brasileira com os menores de dezoito anos que cometem atos considerados como delitos. Trata-se, sem dúvida, de decidir o destino de adolescentes infratores, questão da qual decorre a maior importância.



1 A CRIMINALIDADE NO BRASIL 

1.1 A criminalidade juvenil.

O Brasil e considerado um dos países mais violentos do mundo, apresentando taxas inaceitáveis de homicídios e expansão continua da criminalidade Tal situação foi gerada por um grande e rápido crescimento populacional que não foi acompanhado pelo desenvolvimento econômico, responsáveis pela injustiça social, baixo nível de educação perda de valores, miséria, a desestruturação das famílias, a falta de bons exemplos, a impunidade, a corrupção, o inchaço das cidades pelo êxodo rural e a baixa qualificação das forças policiais. As políticas sociais e econômicas iniquas, finalmente, só tendem a ampliar a criminalidade e a violência brasileiras em todos os estratos sociais.
Os menores infratores, na sua maioria são procedentes de famílias desestruturadas, destituídas de ordem moral ou estudo, com baixa estima e com referências maléficas, tais como traficantes, viciados e bandidos de toda a natureza, tendendo a cometer infrações contra o patrimônio a partir 10 (dez) anos de idade, sob o comando de adultos. A recuperação faz-se muito difícil, pois eles constituem um grupo frágil, facilmente manipulável e vulnerável a praticas de atos infracionais por não ter uma perspectiva de visa pessoal familiar e profissional. Há os que enveredam no crime, mas que, as custas  da atenção, amor, educação e respeito recebido dos pais, da escola e dos educadores em geral, conseguem-se recupera sem maiores seqüelas.
A freqüência da ocorrência de atos infracionais cometidos pelos ditos menores, principalmente o furto, vem aumentando gradativamente e para eles não participem desse ciclo vicioso é preciso que as famílias e as autoridades competentes lhes proporcionem estruturas que permitam arrostar as dificuldades e promover oportunidades para enfrentá-las, evitando assim deliquir. Não se pode, pois, pretender reduzir ou modificar a criminalidade com o enrijecimento da lei, mas buscar a efetiva participação do Estado, através de políticas de inclusão e com a garantia da punibilidade para todos os cidadãos, sem quaisquer discriminações.

A crise econômico-social força as crianças e adolescentes a trabalharem nas ruas para sustentar famílias ou exploradores. Assim, a infância, fase essencial da formação do individuo, não é vivida e luta pela sobrevivência transformando-os em presas para o crime. O perfil dos jovens infratores assemelha-se aos de suas vitimas: sexo masculino, sem qualificação e baixa renda. Tal descrição corresponde a uma parcela bastante considerável da população brasileira, o que permite concluir a pobreza não pode ser considerada responsável pela violência, que fatalmente os pobres estão  mais envolvidos e que  ela é apanágio de todas as classes sociais, o que exige cuidados especiais da sociedade e do Estado para evitá-la ou refreá-la.
A evolução e transição da violência tradicional, ligada à vingança, terra e honra para a violência moderna foi brusca e a sociedade não estava preparada e o aparato público praticamente inexistia para enfrentar essa nova realidade. As cidades brasileiras, então defrontaram-se com uma grande alteração da ordem social, com alto número de assassinatos e latrocínios, principalmente os provocados por bandos, as chamadas gangues e galeras. As pessoas comuns estão morrendo por motivos fúteis e as guerras intra e entre quadrilhas são responsáveis pela alta letalidade entre homens menores de 25 anos de idade. A crise leva à perda de todos os valores e nessas circunstâncias quaisquer atos podem gerar manifestações de violência desmedida, o que é agravado por um aparato policial violento, corrupto e desqualificado, que ao invés de proteger o cidadão, achincalha-o, agride-o, mata-o institucionalizando tal estado de coisas.
Impossível discorrer sobre a extrema desigualdade social sem tratar dos elevados índices de criminalidade. São diretamente relacionados e quanto maior a concentração de riqueza e renda, maior é o numero de pessoas destituídas de condições de dignamente, abandonados a própria sorte, facilmente cooptáveis pelo crime.
A história do Brasil deixa patente o paternalismo do Estado, atitude que não permite a formação de uma grande Nação, pois vicia e entorpece o cidadão. Não bastasse esse senão, a maioria dos programas não logrou êxito, apesar dos altíssimos investimentos realizados. Na verdade, eles agravaram ainda mais a concentração de renda e a sociedade continuou em busca de D. Sebastião, do “Salvador da Pátria”, de um chefe de governo que resolvesse monocraticamente todos os problemas do país, ao invés de participar ativa e criticamente da vida  política do país, o único caminho capaz de torná-lo um país mais igualitários e menos violento.





2 CARACTERIZAÇÃO PSICOSSOCIAL

DO MENOR DE DEZOITO ANOS

Seguidamente se caracteriza, na perspectiva das ciências humanas, o indivíduo menor de dezoito anos, por ser o alvo do presente estudo. Todavia, necessário trazer à discussão que entre o nascimento e a maioridade existem duas etapas na vida das pessoas notoriamente marcantes, as quais exigem que o operador de direito as aborde para alcançar conceitualmente aquele ser humano que ainda não é penalmente maior, embora seja objeto de acaloradas discussões quanto à redução da sua imputabilidade criminal.

2.1 A infância: desenvolvimento humano.

Sabe-se que  a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza a adolescência como o período de vida compreendido entre 10 e 19 anos, de forma que para essa entidade, criança é toda pessoa com até dez anos incompletos. O ordenamento jurídico do Brasil, especialmente a Lei 8.069/90 (e as respectivas alterações) denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), determina que para os efeitos dessa norma, criança é todo individuo com até doze anos incompletos, e adolescentes aquele que se encontra entre doze e dezoito anos (BRASIL, 2010). Não é intenção do presente estudo fixar posição sobre essa discrepância, apenas informar que existe.
Referente à infância, ou o período evolutivo que transcorre até alcançar a etapa da adolescência, Almeida e Cunha (2003) indicam que a idéia primitiva, atravessada por preconceitos religiosos, representava a criança como um ser imperfeito, inconcluso, à qual se lhe atribuíam inúmeras deficiências, as que seriam corrigidas durante o período da vida que finalizava com a idade adulta. Admitia-se, portanto, a existência de uma contradição entre natureza (o que a criança “trazia” com ela desde a gestação) e civilização (trata-se das mudanças positivas que o individuo alcançava através da razão e mediadas pela educação). Desta forma, percebe-se que houve uma profunda evolução até alcançar um conceito científico da natureza humana e do seu desenvolvimento.
A cientifização do desenvolvimento humano, conforme expressam Almeida e Cunha (2003, p 148) ‘{...} é acompanhada de um estatuto para cada uma das diferentes etapas que o compõem, o qual define normas, comportamentos e expectativas{...}”. a palavra estatuto inserida no pensamento transcrito deve entender-se como o conjunto de normas de conduta e de valores morais que estabelece cada sociedade em determinado momento histórico. As autoras chamam a atenção, no que tange às teorias do desenvolvimento humano, para os autores Piaget e Vygotsky entre os mais caracterizados.
Pereira (2002) indica que Vygotsky caracterizou a aprendizagem como processo pelo qual o individuo adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc. a partir de seu contato com a realidade, o meio ambiente, as outras pessoas. Na teoria de Vygotsky, a idéia de aprendizagem inclui a interdependência dentre as crianças e os adultos envolvidos no processo.
Para Vygotsky (apud Pereira, 2002) a aprendizagem. Possibilita o despertar de processos internos do indivíduo, ligando o desenvolvimento da pessoa  com o ambiente sócio-cultural em que vive; o homem como organismo não se desenvolve plenamente sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie.
As características de cada indivíduo vão sendo formadas a partir das inúmeras e constantes interações com o meio (físico e social, neste último aspecto, inclui-se a cultura). O modelo psicológico de cada ser humano é construído ao longo da sua vida através de um processo de interação com o seu meio social, que possibilita a incorporação da cultura elaborada pelas gerações precedentes. (VYGOTSKY apud PEREIRA, 2002). Necessário esclarecer que neste contexto, o conceito de cultura é o que proporciona a antropologia, como o conjunto de valores, história, costumes e expectativas comuns que se verificam em qualquer agrupamento humano.
Faria (1998) explica as idéias de Piaget sobre o desenvolvimento humano, particularmente, da inteligência. Neste sentido, a autora destaca os cinco períodos em que o cientista suíço dividiu o processo.
- Período Sensório-Motor: do nascimento aos dois anos, aproximadamente. A inteligência trabalha por meio das ações através dos deslocamentos do próprio corpo. É uma inteligência eminentemente prática.
- Período Simbólico: dos dois anos aos quatro anos, aproximadamente. Surge a linguagem, o individuo já pode criar imagens mentais na ausência do objeto ou da ação, é o período da fantasia, do faz de conta, do jogo simbólico. É o período em que o indivíduo “da alma” aos objetos (o carro do papai foi ‘dormir’ na garagem).
- Período Intuitivo: dos quatro aos sete anos, aproximadamente. Observa-se a existência de um desejo de explicação dos fenômenos. É a “idade dos porquês”, o individuo pergunta o tempo todo, e consegue distinguir a fantasia do real. Em termos de comunicação verbal, suas conversações não são longas, mas já é capaz de adaptar sua resposta às palavras do interlocutor.
- Período Operatório Concreto: dos sete anos aos onze anos, aproximadamente. O individuo consolida as observações de número, substância, volume e peso, ordenam elementos por seu tamanho (grandeza), incluindo conjuntos, organiza o mundo de forma lógica ou operatória. Participa de grupos maiores, chefiando e admitindo a chefia, compreende regras, sendo fiéis a ela, e estabelece compromissos. A conversação longa torna-se possível!
- Período Operatório Abstrato: dos onze anos em diante. É o ponto mais alto do desenvolvimento da inteligência e corresponde ao nível de pensamento hipotético-dedutivo ou  lógico-matemático. O individuo está apto para calcular uma possibilidade. Esta estrutura de pensamento facilita o surgimento da dialética, a qual permite que a linguagem ocorra em termos de discussão para se chegar a uma conclusão. Sua organização grupal admite estabelecer relações de cooperação e reciprocidade. Este último período corresponde ao início da adolescência.
A diferença ente Vygotsky e Piaget se encontra em que este último enfatizou os aspectos estruturais e as leis de caráter universal (de origem biológica) do desenvolvimento, enquanto o primeiro destacou as contribuições da cultura, da interação social e a dimensão histórica do desenvolvimento mental (SILVA, SANTOS; SANTANA, 2006).
Anastasi (apud Pinheiro, 2010) destaca que se encontra esgotada a discussão sobre quanto pode ser atribuído a hereditariedade e quanto ao meio no seu desenvolvimento do indivíduo, e que o importante é identificar o comportamento desses fatores em cada circunstância que vive a pessoa.
Pinheiro (2010, p. 10) alerta sobre a relevância da interação entre hereditariedade (fatores genéticos) e ambientes, pois é:

[...] extremamente difícil distinguir os efeitos dos dois conjuntos de determinantes sobre características específicas observadas. Considere-se, por exemplo, o caso da filha de um bem  sucedido   homem de negócios e de uma advogada. O quociente intelectual da menina é 140, o que é muito alto. Esse resultado é o produto de sua herança de um potencial alto ou de um ambiente mais estimulante no lar? Muito provavelmente, é o resultado da interação dos dois fatores.

Todavia, a autora acima citada refere que é possível considerar as influências genéticas sobre alguns caracteres específicos, tais como:

[...] altura; inteligência ou agressividade, mas, na maior parte dos casos, de funções psicológicas (comportamento, emoções) as contribuições exatas dos fatores hereditários são desconhecidas. Para tais características, as perguntas relevantes são: quais das potencialidades genéticas do individuo serão realizadas no  ambiente físico, social e cultural em que ele ou ela se desenvolve? Que limites para o desenvolvimento das funções psicológicas são determinados pela constituição genética do individuo? (PINHEIRO, 2010, p. 10)

Conforme é possível perceber nas explicações trazidas a debate, o desenvolvimento do individuo na etapa da infância é um processo não apenas complexo, também e por enquanto resulta incerto em termos de evidências científicas no que tange à participação do que é herdado e do que é adquirido através da influência do  meio, na conformação da sua personalidade, e em decorrência, da sua conduta.
Tudo o que foi discutido tem uma clara articulação com a problematiozação da adolescência, pois esta é a continuidade do desenvolvimento iniciado na adolescência, e é o período na vida das pessoas que se encontra sujeito a discussão para formar convicção a respeito da minoridade penal.

2.2 A Adolescência.

             A adolescência, diferentemente da infância, no é o momento zero na evolução do individuo, representa a comunidade de um processo já iniciado que se caracteriza por ser o começo do período operatório abstrato, o último dos períodos indicados pó Piaget.
O termo adolescente tem como raiz etimológica a palavra do latim adolecere, a qual significa crescer, brotar, fazer-se grande e surgiu em português, espanhol e italiano no século XV. Conceitualmente é definido como um período de desenvolvimento biopsicossocial que se situa entre a infância e a maturidade (LOPES, SARUÊ, 2008).
Na perspectiva de Roehrs; Maftum; Zagonel (2010) o adolescente se encontra em uma fase particular do desenvolvimento humano, situação que exige seja percebido em seu contexto, com características bio-psiquicas, intelectuais e emocionais específicas, enfrentando toda a sorte de infortúnios de uma sociedade em rápido processo de transformação.
Neste sentido, de acordo com Maakaroun; Cruz; Souza (1991, p.123):
A adolescência é um marco na vida de qualquer individuo. Trata-se de um período do ciclo existencial do ser, onde ocorre uma tomada de posição social, familiar,                                     Sexual e grupal. É um período da vida marcado por transformações físicas e emocionais.  Um fenômeno psicossocial cujas manifestações variam em                             função das pessoas, da cultura e do ambiente. É um momento conflitivo e de crises. Caracteriza-se pelo afastamento da família e conseqüentemente imersão no mundo adulto, e busca de sua identidade.  

Percebe-se que a adolescência é uma etapa que se caracteriza por ser um link entre a infância e a idade adulta conforme acima exposto por Maakaroun, Cruz, Souza (1991. Existe consenso entre os estudiosos do comportamento humano em considerar a adolescência como um período determinante no desenvolvimento, pois com este encerra-se todo o tríplice processo de maduração (bio-psico-social) do indivíduo.
As manifestações mais salientes são: contradições, ambivalências; turbulências, paixões alteradas, dor, e a presença simultânea de conflitos relacionais com o meio familiar e social. O adolescente tem a sua saúde sujeita a influências derivadas das transformações que ocorrem nesse período, e se estendem à sua sexualidade (ROEHRS; MAFTUM; ZAGONEL, 2010).
Ressaltam-se mudanças de comportamento e alterações supressivas ao humor, entre outros aspectos inerentes à adolescência. Domingues; Domingues (2007) enfatizam a influência hormonal como uma explicação para esses distúrbios. A partir de certa idade a criança  começa a sofrer mudanças físicas, começa a crescer rapidamente em peso e altura, as formas do corpo começam a mudar. Essas modificações físicas anunciam o início da puberdade. A puberdade tem início quando genes “acordam” a glândula pituitária, localizada na base do cérebro, para que envie mensagens às glândulas sexuais de forma que estas aumentam a produção dos seus hormônios (DOMINGUES; DOMINGUES, 2007).
Assim, as modificações na vida do indivíduo durante esta fase são profundamente marcantes, pois conforme antes exposto, se verifica uma transformação de criança em adolescente, embora ainda falte um processo decisivo para se tornar adulto.
Ser adolescente implica estar exposto a riscos, tais como drogas, excesso de álcool, tabaco, iniciação sexual precoce que pode derivar em gravidez indesejada, suicídio, acidentes e conflitos de rua com outros adolescentes, acrescidos de questões sócio-econômicas e dificuldade de relacionamento com a família e professores (ROEHRS; MAFTUM; ZAGONEL; 2010).
Crivelatti, Durman, Hofstatter (2006) indicam que os adolescentes se deparam com situações novas e intensas pressões sociais, ambas as questões provocam o aparecimento de flutuações do humor e mudanças expressivas no comportamento. Em alguns casos desenvolvem quadros depressivos cujos sintomas se manifestam através de descontentamento exteriorizar tristeza.
Relatos de entrevistas a adolescentes expõem a estes como sendo frágeis, solitários, manifestando que se sentem incompreendidos, excluídos. Necessário entender que, além das transformações fisiológicas e emocionais decorrentes desta idade, adolescer também é uma atitude cultural, um posicionamento como ser humano em uma das fases do seu crescimento, na qual a sociedade não define com clareza qual o seu papel social, gerando no adolescente o sentimento de inutilidade, insegurança e confusão (CRIVELATTI, DURMAN, HOFSTATTER, 2006).
De fato, conflitos importantes podem aparecer no adolescente durante o processo de construção da sua identidade. As decisões que toma a respeito da sua vida têm influências na sociedade a qual cobra de cada integrante um papel o mais definitivo possível, mas estando a identidade de adolescente incompleta, torna-se para este bastante complexo encontra seu lugar (CRIVELATTI, DURMAN, HOFSTATTER, (2006).
Durante o transcurso da adolescência, por ser este um estádio na vida do indivíduo no qual se encontra exposto a circunstâncias desestabilizadoras, ocorrem uma série expressiva de definições: sexuais, profissionais, familiares, ainda acontecem questões que alguns jovens não conseguem responder positivamente, que interferem no seu universo intelectual e emocional provocando-lhes sofrimento psíquico (CRIVELATTI, DURMAN, HOFSTATTER, 2006).
Segundo Savietto; Cardoso (2009) a sociedade atual, que constitui o contexto no qual se desenvolvem os adolescentes, se caracteriza pela supressão da dor através da busca permanente do prazer, isto, pela sua vez, impulsiona o uso intensivo de drogas.
Os adolescentes experimentam desamparo, provocado pela fragilidade da instituição família, neste sentido, dois aspectos merecem destaque quanto à família como lócus da maior importância, não já na formação do indivíduo-criança, e sim na transformação em indivíduo-adolescente. O primeiro é que atualmente a família se conforma de acordo com o paradigma de autonomia dos integrantes, de forma que muitas decisões se tomam em termos individuais, sem qualquer consulta com os demais parentes. Esse fenômeno inclui tanto adultos quanto adolescentes e se encontra marcado pela igualdade, de forma que todos são iguais, ou seja, inexiste a hierarquia (SAVIETTO; CARDOSO, 2009).
O segundo aspecto que deve ser considerado é que na família contemporânea existem projetos individuais, cada um com seu próprio “mapa”, este fato provoca, freqüentemente nos adolescentes desorientação e conflitos, pois a ausência de um poder real, na opinião de Savietto; Cardoso (2009) pode ser responsável pelo senso de desamparo.
Notadamente, a questão sexual tem um importante reflexo na conduta dos adolescentes; nessa perspectiva, Reato (2001, p. 1) considera que entre todos os aspectos.
[...] que constituem o desenvolvimento normal do adolescente, provalvemente O item sexualidade seja aquele considerado como o mais difícil de lidar por pais, Profissionais de educação e de saúde. Isto porque a abordagem desse tema Implica trabalhar com dificuldades pessoais e, freqüentemente, com informações Inadequadas ou insuficientes.

O adolescente encontra-se em uma posição de clara vulnerabilidade em razão das múltiplas descobertas que surgem para ele, e pela liberdade que a cultura atual lhe outorga, sendo evidente que sofre um difícil de educação para administrar-la, isto provoca um desequilíbrio entre seus atos e sua capacidade de arcar com as conseqüências.

2.3 Reflexões sobre o adolescente.

As opiniões dos estudiosos consultados  permitem auferir que não é possível abordar a adolescência por si mesma, necessário é começar pela infância, pois no período no qual aquela acontece, finaliza o processo de formação do indivíduo antes de tornar-se um adulto.
As diferenças entre os posicionamentos de Vygotsky e Piaget não são radicais, cada um deles expressa uma ênfase específica no que tange ao desenvolvimento do indivíduo, biologia e conceitos que abrangem todos os indivíduos no segundo.
Nesta trilha, concorda-se com Anastasi (apud Pinheiro. 2010) que a realidade tem demonstrado que não é relevante identificar o peso de cada um destes fatores no  desenvolvimento do indivíduo, e sim como operam em cada situação concreta.
Conforme exposto, a adolescência é uma FAE profundamente interferida pelo desenvolvimento biológico, provocando mudanças na conduta, embora seja um erro conceitual atribuir às alterações toda a responsabilidade pelas mesmas. A sociedade como macro-contexto, e a família como micro-cosmos influenciam o adolescente ao ponto de lhe provocar o senso de desamparo e conflitos.
Novos paradigmas familiares, os quais não alteram o conceito de família, mas sim a forma em que esta se organiza, provocam nos indivíduos adolescentes desassossego por não encontrar firmeza nos parentes (a autoridade nas famílias atuais de dilui) para acompanhar-los na resolução dos seus conflitos.
Todavia, os autores consultados ressaltam que a sociedade exige que os jovens definam seu papel social, quando deveria ser exatamente ao invés: eles deveriam ter resolvida a questão por parte dos adultos. Estes reclamam que os adolescentes se encontrem ligados com as exigências do futuro, que se preparem intensamente para ingressar no mercado de trabalho, são indivíduos com uma propensão de consumo muito alta.
As empresas investem pesado em campanhas publicitárias para que aceitem seus produtos, pretendem seduzi-los, o que provoca uma necessidade de consumo ainda maior, e alarmantemente, por vezes os meios para conseguir os recursos que lhes permitam aceder às diferentes propostas são eticamente reprocháveis ou diretamente podem se enquadrados em condutas delitivas.
Frequentemente, perante um adolescente, as pessoas registram seu desenvolvimento físico e intelectual, mas esquecem de aprofundar para conhecer sua idade emocional. Se articulados os três planos: o físico, o intelectual e afetivo se configura o que o adolescente realmente é um ser em desenvolvimento.
De fato, o adolescente distingue entre o bem e o mal, mas é necessário que a sociedade com as suas instituições formadoras, a família e a escola lhe proporcionem a educação necessária para que faça a escolha certa. Neste contexto, todavia deve reconhecer-se que o modelo socioeconômico global é manifestamente excludente, principalmente, por causa do trabalho.
Muitos adolescentes se encontram objetivamente privados de toda possibilidade de aceder aos benefícios do progresso, os que se encontram em essa situação têm consciência do seu provável destino. Eles precisam de respostas e oportunidades, e a sociedade (os adultos) se encontra ocupada em sobreviver, de forma que não tem condições de se comprometer com a satisfação das necessidades dos jovens.
Nas duas seguintes seções se abordará plenamente a questão da redução da maioridade penal, embora antecipadamente alerta-se que nenhuma decisão poderá ser considerada eficaz se em forma preliminar não se assumem as responsabilidades cabíveis pela situação da criminalidade adolescente no País.




3 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

3.1 história.

O Brasil foi o país precursor na América Latina e um dos primeiros no mundo a concretizar em seu ordenamento jurídico a relação da defesa dos Direitos da Criança com sucesso na normativa internacional.
Esse processo teve uma mobilização ética, social e política, envolvendo vários segmentos da sociedade, tais como, representantes do mundo jurídico, das políticas públicas e do movimento social, bem como de muita força de vontade e paciência dos dirigentes, técnicos e auxiliares para o atendimento à população infarto-juvenil, a fim de implantar práticas novas e que dessem resultados.
Não foi fácil pôr em prática o Estatuto da Criança, pois as mudanças que ocorressem no Estatuto também implicariam em mudança no trato da questão nos Estados e Municípios e até mesmo no ordenamento dos órgãos que atuam nessa mesma área. E o mais complicado era encontrar pessoas que apoiasse e acreditasse que ele daria certo ou que seria uma solução para os menores de 18 (dezoito) anos.
A primeira Instituição Brasileira foi a Santa casa de Misericórdia criada em 1543. Na Vila de Santos que tinha como objetivo cuidar dos doentes, órfãos e desprovidos.
Da Europa no século XIX veio o sistema de Roda das Santas Casas com o intuito de amparar as crianças abandonadas e de recolher donativos. Sua estrutura física propiciava o anonimato das Mães solteiras, que não queriam que sua identidade fosse revelada Em 1927, o Código de Menores proibiu o sistema de Rodas, fazendo com que as crianças fossem entregue na Instituição e que cada uma tivesse obrigatoriamente um registro próprio.
As crianças doentes e principalmente as com moléstias contagiosas eram excluídas das escolas, mesmo o ensino sendo obrigatório, em 1854. Assim , os direitos das crianças eram negados ou restritos, faltando nessa época à aplicação de uma política social mais branda. Em relação ao trabalho do menor ficou regulamentada, a idade mínima de 12 (doze) anos, pelo Decreto n. 1.313, em 1981.
No começo do século XX, entre os anos de 1990 a 1930, o Brasil-República foi marcado por lutas sociais, liderados por trabalhadores urbanos. Em 1917, surgiu o Comitê de Defesa Proletária, que lutava contra o trabalho de menores de 14 (quatorze) anos  e do fim do trabalho noturno de mulheres e de menores de 18 (dezoito) anos.
Na década de 20, mais precisamente no dia 12 de Outubro de 1927, foi promulgado o Código de Menores ( Mello Mattos), Decreto n 17.943, com o intuito de trazer das crianças e dos adolescentes excluídos e desamparados, menores de 18 (dezoito) anos de idade em situação irregular, ou seja, contrária à norma legal; e em relação ao trabalho infantil, tutela, pátrio poder, liberdade vigiada e delinqüência, bem como cuidar das questões de higiene da infância. Mattos foi o primeiro juiz de Menores da America Latina, porem era revestido pelo por esse Código.
No período do Estado Novo (1930-1945), os grandes latifundiários foram derrubados do poder e com eles surgiu um Estado autoritário que tomou conta da época, por tornar obrigatório o ensino, por buscar legislação trabalhista, pela tentativa de cobertura previdenciária associada à inserção profissional, só para aqueles com carteira assinada.
Mesmo com todo autoritarismo do Estado Novo foi criado o sufrágio universal, entidades federais para cuidar dos menores e em 1942, o serviço de Assistência ao Menor (SAM): órgão equiparado ao sistema prisional, só que funcionava para os menores com a função de orientar, corrigir e reprimir quando necessário. O atendimento era diferente para cada menor carente e abandonado; patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos, e para os adolescentes reformatórios, internatos e casas de correção dependendo do tipo de infração cometido por eles.
De 1945 a 1964, período marcado por uma constituição liberal e instituições democráticas, por pluripartidarismo, eleição direta para presidente, liberdade sindical e direito a greve, independência entre os 3 (três) poderes, o fim da censura e pena de morte.
Na década de 50 foi instalado em João Pessoa o escritório do UNICEF, o primeiro projeto de iniciativa a proteção a saúde da criança e a gestante, em alguns estados brasileiro, comparado com o SAM, esse projeto tinha tudo para da certo.
O período da ditadura foi muito marcada por repressões e restrições a liberdade de opinião e expressão, recuos nos campos dos direitos sociais e instituição dos atos  institucionais que permitiam punições, exclusões e marginalização política dentre outras foram também novas ordens do Golpe Militar . Com tantas mudanças foi promulgada em 1967, uma nova constituição, para normalizar essas práticas.
No Regime Militar (1964 a 1979) também foi implantado a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), Lei n 4.513 de 01 de 12 de 1964, com objetivo de formular e implantar a Política Nacional do Bem Estar do Menor, herdando do SAM a cultura organizacional. O foco maior dessa instituição era assistência a infância, tanto dos abandonados e carentes como dos infratores, considerado em situação irregular. E no plano estadual as Fundações  Estaduais do Bem Estar do Menor (FEBEMS).
O Código de Menores de 1979, Lei 6697 de 10 de 10 de 1979, tomou como base o de 1927, porém manteve a sua essência que é a arbitrariedade, assistencialismo e repreensão junto a população infanto-juvenil, tratando da proteção e vigilância dos menores em situação irregular. Só tendo direito em situação de doença social ou quando julgada em risco.
A cada década, o estudo da criança e do adolescente foi crescendo e cada vez mais se tornou o foco da sociedade, e até nas Universidades o assunto da política social e dos Direitos Humanos tomou um rumo inesperado permitindo uma abertura democrática, o exemplo disso foi a Constituição de 1988, que abriu as portas para uma cidadania mais igualitária e justa.
A década de 80 se destacou pelas conquistas dos congressistas nos avanços sociais da infância que se observa no artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Este artigo relata os órgãos competentes para defesa dos direito dos jovens e os deveres que estes possuem vejamos:

É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito á vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, crueldade e opressão.

A comissão do Estatuto da criança e do Adolescente teve como colaboradores: o movimento da sociedade civil, os juristas e os técnicos de órgãos governamentais. Juntamente com esses movimentos várias entidades não governamentais deram sua colaboração.
No dia 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e adolescente- ECA, Lei n 8069, foi promulgado com o intuito de dar proteção integral à criança e ao adolescente, garantindo a todos um desenvolvimento sadio e manutenção física e moral, não só daqueles em situação irregular, mas também daqueles que não tinha seu direito reconhecido. O Estatuto acaba com a visão de que o menor é o individuo pobre e que a criança é que provém de uma família rica. Hoje o termo menor segundo o dicionário jurídico RG-FENIX é: pessoa de qualquer sexo que ainda não atingiu a maioridade, que se verifica, no país, aos 18 (dezoito) anos completos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA se firmou na normativa brasileira, através de um processo social que teve participação do movimento infanto-juvenil, abrangendo as políticas sociais básicas, políticas de assistência, proteção especial e garantia e defesa de direitos. Vários meios e formas foram discutidos para que o Estatuto se tornasse “justo” e possível para as crianças e os adolescentes.




O Brasil apesar das conquistas infantis e juvenis, ainda tem barreiras que precisam ser ultrapassadas, e a maior delas são as pessoas não acreditam no avanço e no potencial brasileiro, porém existem outras que fazem de tudo para que ele se desenvolva. Busca-se uma melhor solução para situação do adolescente em conflito com a lei, estudando a melhor medida a ser adotada, firmando as garantias individuais e coletivas para resolução dos problemas, impondo inclusive deveres, o ponto que muitos brasileiros pensam que não existe para o menor infrator.
A Lei Estatutária já trouxe vários avanços, podemos citar como exemplo, a adoção feita por pessoas independente do estado civil, em relação as medidas do conselho tutelar, o trabalho do menor, dentre outros. Na realidade, o que falta é uma política pública, pois o povo não conhece ainda o Estatuto e ele tem que ser aplicado. O Estatuto tem que fazer valer o seu papel. Hoje não existe mais discriminação em relação aos direitos fundamentais e deveres da criança e do adolescente, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente os garante, basta que os representantes e órgãos competentes apliquem-no.

3.2 As medidas sócio-educativas.

Antes de elencar as medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA faz-se necessário comentar a questão de o Estatuto fazer menção a medida sócio-educativa ao invés de pena.
A distinção entre medidas sócio-educativas e penas não consiste somente em relação aos indivíduos a quem se destina aplicar a sanção, mas também consiste em fundamentos e finalidades inteiramente diversos.
A pena tem como objetivo primordial a retribuição social ao condenado, a fim  de que se possa pagar pela conduta realizada, reintegrando-o em seguida a sociedade. Entretanto, em respeito à dignidade e autonomia do mesmo, a ressocialização pretendida não pode ser imposta. Posto que o delinqüente deve ser livre para rejeitar toda espécie de tratamento. Por outro lado, a medida sócio-educativa tem o escopo de ressocializar o adolescente infrator, reeducando-o para não voltar a cometer atos inflacionais.

3.2.1 Sumário de medidas sócio-educativas.
O Legislador destinou o Capítulo IV, do Título III, abrangendo os artigos 112 usque 125, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, para tratar das medidas sócio-educativas que poderão aplicar aos adolescentes que cometerem infrações. O artigo 112 elenca essas medidas, que preocupam, como o próprio nome diz , em socializar e educar vejamos:
Art.112 -Verificada a prática do ato infracional, a autoridade competente
Poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - Advertência;
II – obrigação de repara o dano;
III – prestação de serviços a comunidade;
Iv – liberdade assistida
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

É importante  ressaltar que o artigo 146, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA consagra a definição da autoridade competente, ao prelecionar: “ A autoridade a que se refere esta Lei é o juiz da infância e da juventude, ou juiz que exerce essa função na forma da Lei de Organização judiciária local”.
1º - A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstancias e a gravidade da infração.
2º - Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
3º - Os adolescentes portadores de doença mental ou deficiência mental receberão tratamento individual especializado, em local adequado às suas condições.

Observe-se, a respeito, o que discorre o magistrado Moacir Rodrigues (2001, p. 18) em seu livro Medidas Sócio-educativas.
[...] necessário se torna seja esclarecido o fato de o texto do art. 112 referir-se a autoridade competente, ao invés de aludir simplesmente  à autoridade judiciária. [...] Ora, é muito fácil de se entender. O juiz da infância e da juventude é o que judica na Vara Especializada e exclusiva da infância e da juventude. Essas varas estão hoje praticamente circunscritas às c apitais e Distrito Federal. Na maior parte das Comarcas, mesmo nas cidades de Grande Porte, normalmente o juiz tem competência para decidir sobre várias matérias, como Família, Órfãos e sucessões etc. Exerce ele, também as funções de juiz da infância  e da juventude, sendo, via de conseqüência, também juiz da infância e da juventude.

Com relação ao parágrafo primeiro do artigo 112, do Estatuto da Criança e do Adolescente, Wilson Barreira (apud COSTA, 2004, p. 229) assevera que,

No artigo 1º, o Estatuto, atendendo ao primado estabelecido no revogado Código de Menores, fixas os critérios norteadores para a aplicação das medidas, repetindo as regras contidas, respectivamente, nos arts. 4, 13 e 15 do artigo diploma menorista, afasta-se da teoria da proporcionalidade do Direito Penal- severidade da pena proporcional à gravidade da infração – para declarar que toda a atenção é voltada para a pessoa do adolescente, com sua condição socioeconômica e cultural; que as medidas não são definitivas, devendo ter caráter pedagógico para proporcionar a reintegração sócio familiar, que o ato infracional, em si mesmo,é secundário, ocupando o último lugar no enunciado balizador para a escolha da medida, Em curtas palavras, o Estatuto consagra como atendimento judiciário, o chamado estudo do caso, como se vê do artigo 186, 2, utilizando assim expressão típica do Direito do Menor. 

Entretanto, para Alyrio Cavallieri (apud MARTINS COSTA, 2004, p. 229),

A aplicação das medidas que leva em conta a gravidade da infração é princípio de Direito Penal, por seu caráter retributivo e, portanto, inadequada a este campo do Direito do Menor. A proporcionalidade foi objeto de prolongadas discussões no Congresso da Associação Internacional de juízes de Menores e de Família (Bremen, Alemanha, 1994). O sistema penal adotado em países europeus para menores de idade, onde proporcionalidade é o principio adotado, foi criticado. [...] Não cabe, no entanto, em um sistema eminentemente socioeducativo, com o brasileiro.

3.2.1.1 Advertência.

Advertência é a espécie das medidas sócio-educativas mais tênues, destinada, evidentemente, aos adolescentes autores de ato infracional de natureza leve.
Seu objetivo, como o próprio nome diz, é o de prevenir e reeducar o adolescente, conscientizando-o a não mais cometer infrações, a fim de que possa continuar a viver harmonicamente em sociedade.
Para a aplicação da advertência, em consonância com o parágrafo único do artigo 114, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA basta que se tenha a “prova da materialidade e indícios suficientes da autoria”.
Ressalte-se, por importante, que a presença dos genitores ou responsável do adolescente infrator em audiência é indispensável, como afirma Paulo Afonso Garrido (apud COSTA, 2004, p. 232).

Na audiência, é imprescindível a presença dos pais ou responsável, uma vez que como principais agentes educacionais deve, além da ciência da advertência, contribuir para que a admoestação sirva como aviso de que o caminho da ilicitude leva inexoravelmente à degradação. Serve também a presença dos responsáveis como garantia de que a censura extravasará os limites do foro, ingressando no cotidiano como lembrança da nocividade e conseqüência da infração.

3.2.1.2 Obrigação de reparar o dano.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em seu artigo 116 especifica, ipsis
Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou por outra forma compense o prejuízo da vitima, parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada (grifo nosso)

Pode-se dizer que o dano patrimonial representa-se como qualquer lesão causada aos interesses de outrem, causando-lhe uma subtração patrimonial. Estabelecendo-se mediante o confronto entre o patrimônio realmente existente depois do dano e o que existia anteriormente, ou ainda, o que factivelmente existiria se o dano não tivesse sido produzido. Por conseguinte, o dano é expresso pela diferença negativa encontrada nessa operação.
Com muita propriedade, enfatiza Maria Helena Diniz (2001, p. 237) que, “o dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, eu afeta um interesse relativo ao patrimônio da vitima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável”
Por outro lado, na prática, a obrigação de reparar o dano tem se tomado uma medida sócio-educativa de pouca eficiência, pois, na grande maioria dos casos concretos, são os genitores ou responsável que suportam o prejuízo da vítima, devido o adolescente não possuir patrimônio próprio.
Caso não haja condições do adolescente ressarcir o dano causado à vítima a autoridade judiciária promoverá a substituição da medida sócio-educativa em questão por outra mais conveniente, conforme estabelece o parágrafo único do artigo 116, ora em comento.

3.2.1.3. Prestação de serviços à comunidade .

Institui a Lei Estatutária, no artigo 117, o seguinte:
A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente há seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados, ou dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência ou jornada normal de trabalho. 

            A medida sócio-educativa da prestação de serviço a comunidade tem recebido congratulações de todas as classes sociais momente dos familiares dos adolescentes infratores.
            Outro dado relevante e desconhecido pela  maioria da sociedade está representado pelo quantum de adolescentes em conflito com a lei em relação ao total de adolescentes do País, em tal sentido, a organização Pró-menino (2008) informa, com base em dados do IBGE dos anos 2005-2006 que 0,1425% do total de adolescentes (entre 12-18 anos) do Brasil tinham conflitos com a Lei, o que é igual, em números absolutos a 34.858 indivíduos sobre uma população de 24.461.666 adolescentes.





 4 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

O debate em torno da redução da maioridade penal no Brasil não é recente. Nos anos 90 já constituía preocupação na sociedade, que se sentia ameaçada por ondas de violência praticada por adolescentes. A seguir, se tecem considerações sobre a opinião pública sobre a redução da maioridade penal, se analisa jurisprudência, e se encerra a seção com o posicionamento do autor do presente trabalho.

4.1 Opinião da sociedade.

No Brasil, a discussão sobre a violência praticada por adolescentes e a redução da maioridade penal como resposta a mesma não é nova, tanto no âmbito social quanto jurídico. Também é fato que determinados atos que comovem as pessoas aviva o debate público, particularmente estimulado pelos meios de comunicação, os quais frequentemente assumem um discurso marcantemente oportunista. Sem dúvida existente, no complexo social do Brasil, uma corrente importante de cidadão que consideram necessária a redução da maioridade penal por se encontrar inserida dentro do tema pesquisado, mas não foi especialmente o alvo das investigações.
Necessário alertar que estes resultados foram obtidos considerando a amostra formada por um número pequeno de indivíduos (aproximadamente 1.000) e entrevistados em particulares condições (por telefone), embora a metodologia utilizada permita inferir que se fossem realizados 100 estudos aplicando o mesmo procedimento, aproximadamente 95 apresentam resultados semelhantes aos originais.
A primeira pesquisa, do ano 2007, mostrou que 87% dos entrevistados consideram que os menores que cometem crime devem receber idênticas penas que os adultos ou seja, sem qualquer distinção por causa da idade. Entre os que manifestaram favoráveis, conforme se observa no Gráfico 1, não houve consenso no que tange à idade:
A segunda pesquisa somente perguntou sobre a isonomia na punição de adolescentes e adultos, quando agredida a lei, neste sentido 73% respondem afirmativamente, 18% indicaram que não concordavam e 9% não opinaram. Observa-se que houve uma diferencia negativa de 14 pontos percentuais entre um estudo e outro (87% - 73%) referente às opiniões favoráveis para redução da idade, embora essa porcentagem continue sendo expressivamente alta (BRASIL, 2010).
Existe um antigo provérbio em latim que afirma: Vox Populi Vox Dei (a voz do povo é a voz de DEUS), de forma que se o legislador tivesse que guiar-se pelas porcentagens favoráveis à redução da idade para redução da maioridade penal, esta já estaria vigorando.
Sendo assim, o operador de direito deve perquinir, visando assumir posicionamento sobre a questão, se deve ouvir-se a voz do povo e proceder a discutir –se em sede do legislativo a redução em não menos de dois anos a idade para a imputabilidade penal, como tem acontecido em outros países.

4.2 Jurisprudência.

               As mais altas cortes do país acatam pacificamente o disposto na Constituição e nas normas infraconstitucionais sobre a maioridade penal aos dezoito anos. Na jurisprudência a seguir, se apresentam decisões cujo interesse se localiza tanto no entendimento do instituto da maioridade penal quanto nos argumentos com os quais se pronunciam os ministros dos respectivos tribunais.

4.3 Superior Tribunal de Justiça
.
             Seguidamente, se apresentam duas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) relacionadas com solicitude de Habeas Corpus que implicam pedido de liberação compulsória para medida sócio-educativa antecipadamente à idade de 21 anos prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.
HC 76014 RJ 2007/0019090-8
Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Órgão Julgador: TS – Quinta Turma
Julgamento: 13/06/2007
Publicação: DJ 06.08.2007 p.579
Doméstica e particularmente, de exclusão social sobre aqueles que pertencem às classes sociais menos abastadas.


EMENTA
HABEAS CORPUS. ECA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE SEMILIBERDADE. ADVENTO DA MAIORIDADE PENAL. PEDIDO DE LIBERAÇÃO COMPLUSÓRIA. IMPROCEDENTE. ORDEM NEGADA 1. Apesar  da lei não tratar expressamente da ultra-atividade da medida de meliberdade, a partir de uma interpretação sistêmica do Estatuto da Criança e do Adolescente é semiliberdade são aplicáveis ao menor mesmo após o advento de sua maioridade penal.
2. Para os efeitos de aplicação da Lei 8.069/90, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato, ex vi art. 104, parágrafo único do ECA. Precedentes.
3. A liberação compulsória, na realidade, só se dará aos 21 (vinte e um) anos de idade (art. 121.§ 5o. do ECA).
4. Ordem denegada, de acordo com o parecer do MPF (BRASIL. 2010c – grifo no original)

          O acórdão acima transcrito mostra entendimento do egrégio STJ no que diz a respeito da responsabilidade penal e a imputabilidade penal. Sendo esta última a partir dos dezoito anos, não é óbice para que o menor seja considerado responsável pela infração, da qual decorrem as medidas de internação ou semiliberdade conforme disposto no ECA. Para a sua aplicação, considerou-se a ultra-atividade da lei (pois mesmo que alcançada a maioridade, será tida em conta a idade em que aconteceu o fato). Por via interpretativa o STJ aplicou o disposto na Lei 8.069/90 (art. 104, parágrafo único), e com base na mesma norma foi negada a liberdade compulsória por não ter atingido a idade de 21 anos.
          A interpretação sistêmica do ECA deve considerar-se como empregada para interpretar o art. 104, pois o seu parágrafo único não indica especificamente, mesmo que alcançando a maioridade, aplicar-se à o Estatuto segunda a idade na qual foi cometido o ato, conforme a seguir:
Art.104. são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato (BRASIL, 2010c-grifo nosso).


Por outra parte, entende-se que o STJ não apenas fundamenta sua decisão com base na interpretação sistêmica do ECA, também indica que é esse o procedimento para entender o sistema jurídico como uma totalidade, relacionando os artigos de uma lei, como também esta com outras normas, e claro esta, a sua harmonia com a Constituição.
STJ – HABEAS CORPUS: HC 87044 RJ 2007/0164336-9
Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
Julgamento: 25/02/2008
Orgão Julgador: TS – QUINTA TURMA
Publicação: DJ 17.03 2008 p I

EMENTA
HABEAS CORPUS ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO LIBERDADE ASSISTIDA PRETENSÃO DE EXTINÇÃO DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. IMPLEMENTO DA MAIORIDADE CIVIL IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA.
1.      A exegese da norma prevista  no § 5º. Do art. 121. Do Estatuto da Criança  e do Adolescente, segundo a qual a liberação do menor. Nos casos em que aplicadas medidas sócio-educativas em decorrência da prática de ato infracional, será compulsória aos 21 anos de idade, não sofreu qualquer alteração com o advento do Novo Código Civil (lei 10.406/2002). Precedentes.
2.      O próprio Estatuto traz a previsão, no§ 5º. Do art.121, de que a medida pode ser estendida até os 21 anos de idade, abarcando, portanto, aquelas  hipóteses nas quais o menor cometeu o ato infracional na iminência de completar 18 anos, caso contrário, a medida torna-se-ia inócua, impossibilitando a norma de alcançar seu objetivo precípio de recuperação e ressocialização do menor.
3.      Considerando a interpretação sistêmica da legislação menorista, tem-se que, para efeitos da aplicação da medida sócio-educativa, deve ser considerada a idade do autor ao tempo do fato, sendo irrelevante a implementação da maioridade civil ou penal no decorrer de seu cumprimento, já que, como visto, o limite para sua execução é 21 anos de idade.
4.      Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial (BRASIL, 2010e).
O acórdão supra reitera entendimento do egrégio STJ no se4ntido de que as medidas sócio-educativas devem ser cumpridas de forma que possam produzir os efeitos desejados. Se durante o período de vigência da medida; o menor alcança a maioridade penal ou civil esta não é óbice para a aplicação da liberdade compulsória. Todavia, para melhor entendimento, a liberdade assistida decorre da cessação da internação por ter transcorrido o prazo máximo (lei 8.069/90, art. 121.§ 4º).

         O ministro relator cita no seu voto outros  (HC 74.837/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 22.10.2007 e HC 80.901/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, DJU 05.11.2007) mos quais se repete o mesmo posicionamento de forma que o entendimento no caso em tela reveste o caráter de diretriz jurisprudencial. Ainda, o Superior Tribunal considera que a prescrição é cabível nas medidas sócio-educativas, conforme súmula 338/STI, a teor do disposto nos arts. 109, inc. IV e 115 do Código Penal, embora inaplicável ao caso apreciado, no qual deve observar-se o limite de 21 anos para cessação da medida sócio-educativa.
           As duas decisões transcritas do egrégio Superior Tribunal de Justiça mostram que para essa alta corte a interpretação sistêmica  é o procedimento válido para o entendimento de uma norma. Desta forma, sendo a maioridade penal aos dezoito anos, as medidas sócio-educativas devem ser cumpridas até o limite que estabelece a Lei. 8.069/90 no art. 121, caput e §§ 3º e 5º, verbis:
Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepicionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
[...]
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade,
[...] (BRASIL, 2010C)



        Desta forma, não restam dúvidas que a medida sócio-educativa é a previsão que legislador do ECA considerou aplicável para infrações cometidas por adolescentes, pois estes são caracterizados como pessoas em desenvolvimento até atingir a idade de dezoito anos. No mesmo sentido, as decisões transcritas mostram o entendimento do STJ em relação à Lei 8.069/90, desde que exprime seu texto para a aplicação dos seus dispositivos, particularmente, na procura de eficácia da internação e sua progressão posterior para a mimiliberdade ou a liberdade assistida.

4.4 Supremo Tribunal Federal.

             A seguir, colocam-se sob análise duas decisões do Supremo Tribunal Federal. Na primeira se observa que a fundamentação adotada pelos ministros da mais alta corte do País confirma o entendimento dominante do STJ no que tange à prevalência da continuidade das medidas sócio-educativas quando atingida a maioridade penal pelo sócio-educando durante período em que estas decorrem. A segunda decisão refere-se à medida de internação por aplicação dos arts. 121 e 122 do ECA, por se tratar de ato infracional em face de grave ameaça.
STF – HABEAS CORPUS: HC 94.938-0 Rio de Janeiro
Relatora: Ministra Cármen Lúcia
Julgamento: 12.8-08
Órgão Julgador: Primeira Turma
Impetrante: DPE-RJ – Adalgisa Maria Steele Macabu
Coator (a/s-es): Superior Tribunal de Justiça
Publicação: DJE 3.10.08

EMENTA
HABEAS CORPUS.  ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE. MEDIA SOCIOEDUCATIVA. ART. 121.§5º, DO ESTATUTO: NÃO DERROGAÇÃO PELO NOVO CÓDIGO CIVIL: PRINCIPIO DA ESPECIALIDADE: REGIME DE SEMILIBERDADE, SUPERVENIÊNCIA DA MAIORIDADE. MANUTENÇÃO DA MEDIDA: POSSIBILIDADE: PROCEDENTES: HABEAS INDEFERIDO.
Não se vislumbra qualquer contrariedade entre o novo Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente não menciona a maioridade civil como causa de extinção da medida socioeducativa imposta ao infrator: ali se contém apenas a afirmação de que suas normas podem ser aplicadas excepcionalmente às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade (art. 121, § 5º). Aplica-se, na espécie, o principio da especialidade, segundo o qual se impõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é norma especial, e não o Código Civil ou o Código Penal, diplomas nos quais se contêm normas de caráter geral. A proteção integral da criança ou adolescente é devida em função de sua faixa etária, porque o critério adotado pelo legislador foi o cronológico absoluto, pouco importando se, por qualquer motivo, adquiriu a capacidade civil, quando as medidas adotadas visam não apenas a responsabilização do interessado, mas o eu aperfeiçoamento como membro da sociedade, a qual também pode legitimamente exigir a recomposição dos seus componentes, incluídos ai os menores. Habeas Corpus Indeferido (BRASIL, 2010f).  

O acórdão acima transcrito estabelece a prevalência do ECA quando da apreciação de situações nas quais pretende-se originar conflito entre o Código Civil e o ECA a respeito do cumprimento de medida sócio-educativa em razão do limite de idade para a aplicação das suas previsões. Pondere-se por relevante, que o Supremo considerou a aplicação do principio da especialidade para decidir conforme o ECA sobrepondo-lo o Código Civil por conter este último normas de caráter geral.
     Ainda, verifica-se na decisão em tela que o STF considera o critério adotado na legislação como cronológico absoluto, de forma que face à medida sócio-educativa, não importa se durante seu transcurso o adolescente adquiriu a maioridade civil, pois as medidas são eficazes quando respondem à exigência social de que este se aperfeiçoe como integrante do complexo social. Importante ressaltar que a Ministra Cármen Lúcia destaca que o ECA estabelece como idade limite os 21 anos, sem indicar que se trata da maioridade, de forma que os dispositivos do ECA são excepcionalmente aplicáveis para a fixa etária de 18-21 anos.
STF – HABEAS CORPUS: HC 88.755-4 São Paulo
Relator: Ministro Cezar Peluso
Julgamento: 29/8/2006
Órgão Julgador: Segunda Turma
Impetrante: PGE-SP – Patrícia Helena Massa Arzabe
Coator (a/s-es): Superior Tribunal de Justiça
Publicação: DJ 29.9.2006

EMENTA
INFÂNCIA E JUVENTUDE:  MENOR. ATO INFRACIONAL .EUIPARAÇÃO AO CRIME DE ROUBO QUALIFICADO POR EMPREGO DE AMEAÇA, ARMA DE FOGO E CONCURSO DE PESSOAS. RESENTAÇÃO. PROCEDÊNCIA. INTERNAÇÃO. ADMISSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. HC INDEFERIDO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 121 E 122 DO ECA.
Está em harmonia com o princípio da tipicidade estrita das fattispecie que autorizam a aplicação de internação, por prazo indeterminado, a menor que praticou ato infracional mediante ameaça, emprego de arma e concurso de pessoas (BRASIL, 2010f).


          Preliminarmente, destaca-se a necessidade de esclarecer o conceito de fattispecie. Lima (2010) leciona indicando que é uma expressão utilizada pelos italianos que significa espécie de fato, sendo utilizada para se referir a tipicidade. Este último termo é utilizado pela doutrina brasileira, majoritariamente, para indicar indicio da ilicitude.
           Notadamente, a solicitação de Habeas Corpus se encontra destituída de cabimento por tratar-se a internação medida extrema frente à gravidade do fato, para tanto, mister se faz procurar o art. 122 do Eca, o qual dispõe, in verbis:
[...] A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses.
§ 2º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada (BRASIL, 2010c).


             Da leitura do dispositivo transcrito, se deduz a linha de raciocínio do STF, pois para o caso em tela aplica-se o inc. I, o qual não prescreve internação por tempo determinado, embora o art. 121 já citado estabelece o tempo máximo de três anos, devendo evoluir para similiberdade ou liberdade assistida. A impetrante solicitou o HC com fulcro no § 2º do artigo supracitado, mas não se vislumbra qual alternativa é possível ao que o artigo dispõe em seu inc. 1º.
             As decisões dos mais altos tribunais do país expões uma linha de entendimento: acatamento ao disposto a respeito na Carta Magna e no ECA a respeito da maioridade penal aos dezoito anos, o caráter de pessoa em desenvolvimento que tem o adolescente, mas também estrito cumprimento das medidas sócio-educativas.
           As decisões colocadas sob análise consistem em quatro Habeas Corpus indiferidos, cabível perquirir os motivos de serem solicitadas, sendo que é conhecida a diretriz jurisprudencial do STJ e do STF. A explicação pode se encontrar no desejo dos impetrantes de tirar os adolescentes dos locais nos quais se encontram internados, pois o estado de deterioro dos mesmos deve ser contrário a toda possibilidade de recuperação. Deve entender-se que essa questão não pode ser resolvida pelo judiciário, pois se trata de uma questão de políticas públicas, o que implica estar indicando o âmbito do executivo como o lócus natural para implementar as soluções.

 4.5 Considerações sobre a redução da maioridade.

            Seguidamente se apresenta o posicionamento assumido em relação à redução da idade para imputabilidade penal. Para tanto, três são as aspectos que confluem para formar convicção. O primeiro se relaciona com a visão do adolescente que fornecem a ciências do comportamento, as quais são auxiliares do Direito.
           Na primeira seção do presente estudo foi possível observar que os estudiosos são concordantes em que a adolescência é um período na vida do indivíduo que o coloca na posição de ser humano em desenvolvimento. Não existe evidência científica que possa garantir que o desenvolvimento humano finaliza, por exemplo aos dezeseis anos, idade a partir da qual a pessoa poderia ser considerada adulta.
           O desenvolvimento não é uma regra idêntica para todos, de forma que o limite de 18 anos representa uma atitude prudente frente a um processo incerto em quanto à sua extensão temporal, pois demonstrado está que se encontra atravessado por processos biológicos de profunda influência na esfera psicoemocional dos adolescentes.
           Um dos mais falazes argumentos esgrimidos pelos defensores da redução da maioridade penal é que atualmente o adolescente amadurece mais cedo em razão que o desenvolvimento tecnológico lhe proporciona em leque maior para compreender sua conduta, para discernir entre o que é certo ou errado, entre o bem e o mal.
           Tal fundamentação é enganosa porque apresenta ao adolescente, em geral ao ser humano, como apenas porque tem desenvolvida sua mente, a questão é o seu desenvolvimento emocional.
           Quando se admite que o se humano é uma unidade integrada pelas esferas emocional, intelectual e física, a argumentação acima perde toda efetividade, pois não se trata apenas de o que o adolescente enxerga intelectualmente, também como lida emocionalmente com o que compreende, e nesse ponto é donde se verifica a existência do conflito que caracteriza a adolescência, pois uma maior nível de entendimento intelectual não é garantia que será acompanhado pelo respectivo entendimento emocional. Desta forma, percebe-se que o indivíduo precisa “alinhar” as emoções com a sua mente.
              E na esfera emocional na qual o jovem tem “metabolizar” a realidade de que por a sua condição social não pode aceder ao conhecimento e ao consumismo que estimula permanentemente a mídia. A via do delito para aceder ao proibido, ao inalcançável representa um déficil nas suas emoções, que lhe impede elaborar outras respostas frente à exclusão social da qual é vítima junto à sua família.
            Todavia, a questão sobre o argumento que atribui aos adolescentes um amadurecimento mais cedo em razão de serem possuidores de maior conhecimento, é que este não se distribui uniformemente entre diferentes camadas sociais. O conhecimento se encontra condicionado pela distribuição de renda, e deve admitir-se que esta no Brasil, ainda se mostra profundamente injusta,
           A educação é outro fator que contribui com o desenvolvimento sadio do adolescente, porque a escola é o lócus natural para sua socialização. No país tem-se conseguido introduzir a quase totalidade das crianças na escola, mas atualmente a batalha está concentrada em reter-las.
          Outra questão que vigoriza o clamor social pela redução da maioridade penal são os fatos de violência cometidos por adolescentes e manipulados em forma oportunista pelos meios de comunicação, os quais são acompanhados por opiniões de operadores de direito deficientemente fundamentadas.
          No item 3.1 deste estudo, tem-se exposto informação que mostra dados desconhecidos pela maioria do público, e que expressam que os adolescentes, longe de serem os vilões, são massivamente vitimas de violência. Neste sentido, se atribui ao Direito, pela via legislativa, a responsabilidade de provocar a redução a redução da maioridade penal, quando todo indica que a violência è essencialmente uma questão de políticas publicas, e que estas devem originar-se no âmbito do Poder Executivo.

          Destarte, impossível negar que a política econômica (a qual deve visar uma distribuição mais equitativa de renda), a política social, a política educativa, a política carcerária, a política destinada aos centros de internação de menores não são atribuição de outro poder que não seja o Executivo. O Legislativo deve produzir as normas que as viabilizem, e o Judiciário aplicar a lei. Mas, com uma estrutura pública que necessita profundas mudanças, clamar pela redução da idade para a imputabilidade penal constitui em  erro de percepção, pois se constrói o falso paradigma de que encarcerar jovens mais cedo resolve o problema. Tal visão, se prosperar, tornaria mais grave o problema, pois  dificultaria  em maior grau a re-socialização dos jovens, sendo esta o objetivo precípuo que sempre deve almejar a sociedade.
           Em seara jurídica, as argumentações se concentram em  elucidar, em última instância, se a disposição contida no art. 228 da Carta Magna é cláusula pétrea ou  pode ser modificado pela via de Emenda Constitucional (poder legislativo derivado), o que acarretaria, em forma decorrente, a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Penal.
           Considera-se que a Constituição de 1988 representa uma acentuada preocupação, manifestada pelo legislador constituinte, sobre o individuo, tanto que petrificou como super-princípio a dignidade da pessoa humana, o qual não apenas se manifesta no art.I, inc.III, também se reitera como pano de fundo em todo o texto.
          Alex Mater no art.227 expõe direitos e garantias para a crianças e adolescentes, do qual emerge em toda a sua amplitude, o principio  do melhor interesse. Articuladamente penal comece a partir dos dezoito anos.
         Uma interpretação holística da Lei Fundamental permite verificar a sua consistência com o projeto e intencionalidade do legislador constituinte de 1988, toda vez que preservou o indivíduo de punição penal até os dezoito anos, como estabeleceu a idade limite de sessenta e cinco para se aposentar.
          Um exemplo de argumentação favorável à redução da maioridade penal se encontra no pensamento do conceituado tributarista Harada (2007), autor este que considera que:

[...] o legislador reconhece a maturidade do menor de 18 anos conferindo-lhe o direito de eleger governantes e representantes  nas Casas Legislativas. De duas uma: ou esses menores têm discernimento para o exercício pleno da cidadania, ou não o têm, hipótese em que os legisladores teriam contribuído para viciar o processo eleitoral, de sorte a comprometer a legitimidade dos eleitos, o que não é de ser admitido, por irrazoável.

         Notadamente, o relevante jurista se se refere ao disposto no art. 14, § 1º, inc. II, alinha “c” da Carta Magna na questão do direito a votar, mas uma leitura atenta desse artigo demonstra que o exercício do direito, até os dezoito anos é facultativo, ou seja, o menor foi investido do direito, mas não foi considerado sujeito da obrigação, aspecto este que Harada (2007) parece não perceber, embora é consistente com percepção do legislador de 1988 sobre adolescência.




REFERENCIAS


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______, Senado Federal Secretaria Especial de comunicação Social Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública, Pesquisa de Opinião Publica Nacional. Violência no Brasil, Brasilia (DF) abril de 2007, p. 1-12. 





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